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A base genética e os novos desafios

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Brazil
May 8, 2007

A base genética e os novos desafios
José Manuel Cabral de Sousa Dias*
Maurício Antônio Lopes**
Artigo publicado em AGROANALYSIS, vol 27, nº4, abril 2007, pp. E5-E7.

Source: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

O Sumário do Relatório do Grupo de Trabalho I do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) lançado em fevereiro deste ano, motivou grande discussão, pelas conclusões apresentadas para diferentes aspectos da evolução do clima na Terra, ao longo dos próximos cem anos. Tão importantes quanto as previsões, são os estudos revistos e sumarizados neste documento e que relatam as observações diretas nas mudanças climáticas recentes. Uma das conclusões deste estudo aponta que “onze dos últimos doze anos (1995-2006) estão entre os de maiores temperaturas globais registradas.”

Dentre as principais conclusões do Sumário do Relatório está a conclusão de que, nas próximas duas décadas, poderá acontecer aquecimento de cerca de 0,2ºC por década. Muitos dos resultados apresentados agora, já constavam do Terceiro Relatório do IPCC, publicado em 2001, o chamado “Third Assessement Report” (TAR) e a partir dos mesmos, uma equipe de cientistas brasileiros, sob a liderança de José A. Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desenvolveu um estudo sobre Mudanças Climáticas Globais e seus Efeitos sobre a Biodiversidade.

As previsões apresentadas sobre as modificações climáticas nos próximos anos são de grande importância para a orientação estratégica da pesquisa agropecuária brasileira. As conclusões de Marengo (2007), sumarizadas a seguir, indicam substancial influência das mudanças climáticas sobre a biodiversidade e a produção agropecuária no Brasil em prazos relativamente curtos (10 a 20 anos), a saber:

  • Semi-Árido: As temperaturas podem aumentar de 2 a 5ºC (2100). A Caatinga será substituída por uma vegetação de clima mais árido. Aquecimento leva a evaporação maior e menor disponibilidade hídrica; Maior seca pode levar à migração da população.
  • Sudoeste e Bacia do Prata: Ainda que a chuva tenda a aumentar nessa região, as elevadas temperaturas do ar poderão comprometer a disponibilidade de água para agricultura, consumo ou geração de energia. O balanço hidrológico regional pode ser afetado com prejuízos para atividades humanas.
  • Região Sul: A produção de grãos poderá ficar inviabilizada na região Sul, com aumento da temperatura média e alteração marcante no regime de chuvas. Enchentes são previstas bem como ventos de alta intensidade.
  • Agricultura: Culturas perenes, como a laranja, tendem a migrar para regiões com temperaturas médias mais amenas. A produção poderá se deslocar para o Sul. Elevadas temperaturas de verão vão condicionar o deslocamento de culturas como arroz, feijão, soja para a região Centro-Oeste. 

Há, portanto, cada vez mais evidências de que as mudanças climáticas previstas levarão à intensificação dos estresses hídricos, térmicos e nutricionais, com profundos reflexos sobre os sistemas de produção no tocante à adaptação dos cultivos, produtividade e composições físico-químicas e nutricionais dos produtos agropecuários.

Ferramentas

Além disso, é possível que a velocidade das mudanças globais tornem obsoletos os métodos convencionais de inovação agropecuária, como o melhoramento genético, o controle químico de pragas, etc, que têm sido, até aqui, os principais instrumentos de adaptação dos organismos utilizados na agropecuária.

Mudanças nas temperaturas e umidades nos vários agroecossistemas poderão levar à intensificação dos estresses bióticos, com surgimento de pragas (insetos, microrganismos, nematóides, ácaros, etc..) até então pouco expressivas ou de importância secundária, com danos à produtividade e à qualidade, além de riscos, ainda difíceis de prever, à segurança alimentar.

Para amenizar os efeitos previsíveis das mudanças climáticas globais sobre os sistemas de produção agropecuária, a pesquisa deverá desenvolver e colocar à disposição da sociedade um novo arsenal de ferramentas e estratégias baseadas em manejo, insumos e genética compatíveis com o desafio de mitigar efeitos já instalados e contribuir para a redução de efeitos previstos para o futuro, em especial aqueles decorrentes de novas emissões de gases de efeito estufa.

Assim, o desenvolvimento de sistemas mais adaptados a altas temperaturas, à falta ou excesso de chuvas, a ventos mais fortes e ao ataque de pragas devem ser priorizados. Igual prioridade deve ser dada ao desenvolvimento de sistemas que levem ao sequestro de carbono, substituam combustíveis fósseis e economizem insumos impactantes para o meio ambiente. Modelos de reconversão deverão ser buscados, muitas vezes sustentados em soluções do próprio ambiente.

E a agricultura brasileira dá exemplos da possibilidade de se alcançar esses objetivos. São, por exemplo, plantas e animais mais produtivos, mais resistentes a insetos e doenças, e mais adaptados aos rigores ambientais dos trópicos, bactérias diazotróficas capazes de fixar o nitrogênio atmosférico nas raízes das plantas e insetos, fungos e bactérias capazes de controlar pragas e doenças. Tudo isso são armas que têm sido utilizadas regularmente em diversas culturas, como soja, cana-de-açúcar, algodão e fruteiras, e demonstram que o Brasil detém uma liderança no desenvolvimento de alternativas sustentáveis de produção agrícola em condições de estresses.

Este importante acervo de tecnologias desenvolvidas pelo Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, com marcante contribuição da Embrapa, tem sido fator importante na viabilização de uma agricultura mais sustentável, que tem disponibilizado inúmeros serviços ambientais tais como a redução no ritmo de abertura de novas áreas de cultivo e, por decorrência, das queimadas e do desmatamento, a redução na utilização de agroquímicos e de práticas que levem à degradação ou fragilização da base de recursos naturais, a diminuição da contaminação de lençóis freáticos por resíduos agrícolas e de agrotóxicos.

Banco Genético

Todas essas realizações foram possíveis a partir de uma única decisão estratégica: a manutenção e constante enriquecimento de um banco de recursos genéticos de plantas, animais e microrganismos que identifica, recolhe e reproduz não apenas as formas de vida de potencial interesse da agricultura encontradas nos biomas brasileiros, mas também germoplasma de biomas de outros países. Foi essa base genética que permitiu à ciência agrícola brasileira enfrentar com sucesso os desafios da agricultura tropical.

É, de novo, na exploração da imensa variabilidade contida nessa base genética que reside o caminho mais promissor para se fazer frente aos novos desafios elencados. Os centros de pesquisa da Embrapa e instituições parceiras, que conduzem programas de pesquisa em recursos genéticos e desenvolvimento de cultivares e tiveram papel marcante na agricultura brasileira ao longo das últimas três décadas, têm, agora, o desafio da busca de um novo paradigma – encontrar, entender e disponibilizar, no potencial contido nos recursos genéticos, as funções biológicas e serviços ambientais promotores de uma agricultura capaz de superar esses desafios, de forma competitiva e sustentável.

O Brasil detém uma extraordinária riqueza biológica, capaz de sustentar a construção deste novo paradigma. Apenas a Rede Nacional de Recursos Genéticos (RENARGEN) da Embrapa detém uma coleção de 100.000 amostras de sementes de cerca de 450 espécies vegetais, armazenada em câmaras frias na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF). A rede conta ainda com 170 Bancos Ativos de Germoplasma (BAGs) mantidos nos centros de pesquisa da empresa, nas universidades e organizações congêneres do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, que totaliza cerca de 250.000 amostras de materiais vegetais.

Conforme aumenta o interesse por diversificação e agregação de valor à agricultura, na forma de novos alimentos, bioenergia, fibras, fármacos e biomateriais aplicáveis a diversos ramos industriais, o interesse do melhoramento genético se volta inevitavelmente para esses acervos, em busca de espécies, sistemas e processos que correspondam às demandas apresentadas
Adequadamente estudadas e conhecidas, muitas funções biológicas importantes poderão gradualmente ser incorporadas às espécies de interesse, via pré-melhoramento, melhoramento biotecnológico ou convencional ou intercâmbio com outros países. O acervo citado representa valiosíssimo capital para facilitar a busca e a troca de recursos genéticos originários de regiões em que ocorrem temperaturas médias mais altas e solos mais secos do que no Brasil.
Em especial, serão valorizadas funções biológicas que tenham impacto positivo em processos como adaptação a estresses bióticos e abióticos cada vez mais intensos e em serviços ambientais como regulação da composição química da atmosfera, suprimento de água, ciclagem de nutrientes, polinização, absorção e reciclagem de resíduos, entre outros.

Neste cenário, espera-se que a combinação de estratégias da biotecnologia moderna com as estratégias tradicionais de inovação tecnológica para a agricultura, seja o caminho eficiente para a descoberta e a incorporação, a médio prazo, de soluções biológicas viabilizadoras de uma agricultura mais compatível com as mudanças climáticas que se descortinam.
Pode-se então concluir que o enriquecimento da variabilidade genética, a adequada caracterização e a conservação dos recursos genéticos são serviços ambientais a ser contemplados por políticas públicas específicas.

REFERÊNCIAS

Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Climate Change 2007: the Physical Science Basis- Summary for Policymakers. Paris, IPCC, 18p., 2007. Acessível em http://www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf

MARENGO, J. A. Mudanças Climáticas Globais e seus Efeitos sobre a Biodiversidade: Caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o Território Brasileiro ao longo do Século XXI. Brasília, MMA, 2007.

* José Manuel Cabral de Sousa Dias
Graduado em engenharia química pela Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado também em engenharia química pela mesma Universidade. Atualmente é o chefe geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.
** Maurício Antônio Lopes
Possui mestrado pela Purdue University e doutorado em PhD em Genética Molecular pela University of Arizona. Atualmente é Pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

 

 

 

 

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