Brazil
December 15, 2008
Sandra Mansur Scagliusi
Pesquisadora da Embrapa
Trigo
A agricultura é uma atividade que promoveu uma etapa decisiva na
evolução da humanidade. Seu provável início ocorreu há cerca de
10 mil anos, onde houveram os primeiros indícios de sua
domesticação pelo homem. A evolução da agricultura teve como
base os princípios do Melhoramento Genético Vegetal, quando a
espécie humana já utilizava, de forma empírica, métodos de
seleção e melhoramento para obtenção de novas plantas. Com o
passar dos anos e através do “aprofundamento” da genética como
ciência, novas metodologias foram sendo utilizadas na busca de
formas mais eficientes de seleção, visando à introdução de novas
características como aumento de produtividade, resistência a
doenças e pragas e a condições ambientais adversas, resultando
numa melhor qualidade tecnológica e nutricional do produto
final.
Uma técnica que vem sendo bastante utilizada como ferramenta
auxiliar nos programas de melhoramento vegetal é a de Cultura de
Tecidos ou de Células. Introduzida no início do século vinte, a
cultura de tecidos pode ser definida como o processo de cultivo
de segmentos de tecidos vegetais, chamados explantes, em meios
de cultura estéreis e específicos, com o objetivo de regenerar
uma nova planta in vitro, que será idêntica à planta doadora do
explante. Diferentes tecidos podem ser usados como explantes,
tais como: células isoladas, fragmentos de hastes e folhas,
anteras, raízes, gemas axilares ou apicais e até órgãos de
armazenamento. A execução da técnica é realizada em condições
assépticas, em câmaras de fluxo laminar horizontal, e as plantas
originadas são mantidas em salas de crescimento apropriadas,
controlando-se a temperatura, umidade e o fotoperíodo.
A técnica se baseia no fenômeno da totipotência, isto é,
capacidade que a célula vegetal possui de se organizar em um
novo indivíduo, mantendo a informação genética necessária, sem
haver recombinação gênica, dando origem a uma nova planta.
Teoricamente, todas as células vegetais possuem a característica
da totipotência. No entanto, a expressão da totipotencialidade
está diretamente relacionada com a quantidade de tecido
meristemático contido no explante. Por esta razão, ápices
caulinares são melhores explantes para regeneração de novas
plantas, quando comparados com segmentos de folhas e hastes.
As plantas regeneradas via cultura de tecidos, podem ser
obtidas principalmente através de dois processos distintos,
chamados de Organogênese e Embriogênese. A Organogênese é o
processo de formação in vitro de partes aéreas ou raízes,
originadas de diferentes explantes, os quais são induzidos a
sofrer mudanças que levam à produção de uma estrutura unipolar,
denominada primórdio vegetativo. O sistema vascular desta
estrutura está freqüentemente conectado com o tecido doador do
explante, resultando na formação de plântulas completas. O
processo pode ocorrer diretamente a partir de células do
explante original (assim chamado de Organogênese Direta) ou,
indiretamente, via formação de calos, massa de células pouco ou
não diferenciadas, com crescimento desordenado. A Embriogênese
somática ou adventícia é o processo pelo qual células somáticas
do explante diferenciam-se em embriões somáticos (não
resultantes da fecundação), ocorrendo a formação de estruturas
bipolares, não conectadas ao explante pelo sistema vascular,
dando origem a novos indivíduos que não são produtos da fusão de
gametas. Os embriões somáticos também podem ocorrer diretamente
do explante (Embriogênese Somática Direta) ou mais
freqüentemente, resultantes da cultura de calos (Indireta).
As aplicações da técnica de cultura de tecidos são as mais
diversas, entre elas: micropropagação in vitro e limpeza clonal,
visando a obtenção de plantas livres de vírus, microenxertia,
manutenção e intercâmbio de germoplasma, produção de plantas
duplo-haplóides através da cultura de embriões, ovários, anteras
e micrósporos e ainda, é bastante útil nos estudos de
introgressão gênica entre espécies distintas e transformação
genética.
A micropropagação in vitro se tornou especialmente útil na
produção de plantas com alto rigor sanitário e isentas de vírus,
tendo uma importância prática na propagação de espécies de
interesse florestal e em espécies cuja forma de propagação é a
vegetativa. A adoção desta técnica possibilita um rápido aumento
no número de plantas geneticamente idênticas, permitindo a
produção de mudas durante o ano todo, auxiliando também na
propagação de plantas cujas sementes têm baixo poder
germinativo.
Apesar de não haver recombinação gênica na maioria das plantas
obtidas via cultura de tecidos, algumas plantas originadas por
sucessivos ciclos de cultura in vitro, podem apresentar algumas
características que diferem da planta original doadora do
explante, resultando em alterações estáveis e transmissíveis aos
descendentes. Este fenômeno ficou conhecido como Variação
Somaclonal e ocorre quando as culturas são estabelecidas a
partir de explantes que não contém um meristema pré-organizado,
ou ainda, quando ciclos sucessivos de cultivo são mantidos
repetidamente como calos. A passagem de células e tecidos pela
fase de calo, induz à uma alta atividade metabólica e divisão
celular, levando ao “surgimento” de células e ou calos com
características genéticas diferentes das células iniciais. Esta
variação pode ser considerada como uma desvantagem quando for
necessário garantir a fidelidade clonal. No entanto, alguns
programas de melhoramento de plantas estão fundamentados na
variabilidade genética gerada espontaneamente, seja ela in vivo
ou in vitro, para seleção de materiais de interesse agronômico.
A seleção neste caso seria dependente das variações induzidas
através do processo de cultivo de células ou tecidos in vitro,
se tornando uma ferramenta essencial ao desenvolvimento do
programa. Indicações de uso da variação somaclonal em muitas
plantas, têm estimulado o interesse em aplicações deste método
para a melhoria da produção agrícola, uma vez que plantas de
diferentes espécies já foram obtidas através desta técnica,
expressando resistência a estresses ambientais, tolerância a
fungos e bactérias e até melhor qualidade de grãos.
Dentro das mais diversas aplicações das técnicas de cultura
de tecidos, a produção de plantas haplóides (Haploidização), vem
se destacando como importante ferramenta no estabelecimento de
programas de melhoramento genético vegetal. As técnicas
convencionais adotadas nos programas de melhoramento possuem
certa limitação na identificação de variabilidade genética de
gerações altamente segregantes, havendo a necessidade de se
trabalhar com um número muito grande de plantas. No sistema
convencional de melhoramento de plantas autógamas, o processo
usado para fixação de genes é bastante lento, sendo necessários
de sete a oito ciclos de autofecundação (sucessivos
retrocruzamentos) para a obtenção de linhas totalmente puras
(homozigotas), fundamentais para garantia da manutenção do
perfil genético. A técnica de haploidização pode acelerar este
processo, permitindo a obtenção de linhagens completamente
homozigotas em uma única geração, diminuindo o tempo necessário
na obtenção de tais linhas, os custos de mão de obra e de
produção. Além disso, por serem homozigotas, as plantas geradas
ficarão livres de problemas como dominância e recessividade,
eliminando o efeito da heterozigose. A planta gerada será
haplóide, possuindo apenas a metade do número cromossômico da
espécie, sendo portanto estéril. Para restaurar a sua
fertilidade, é necessário a duplicação cromossômica, que pode
ser espontânea ou induzida, conseguida pela aplicação de
colchicina. As plantas resultantes desta técnica são chamadas de
duplo-haplóides e possuem seu conteúdo genético duplicado e
restabelecido para o normal. Os métodos mais utilizados na
produção de plantas duplo-haplóides em cereais (na Embrapa
Trigo) são a Androgênese e a Gimnogênese. A androgênese é o
processo pelo qual ocorre o desenvolvimento de uma nova planta,
através da cultura in vitro de anteras ou micrósporos (célula
gamética masculina jovem), sem que haja a fertilização. Na
gimnogênese, o processo é obtido, se utilizando durante a fase
dos cruzamentos, pólen de espécies não relacionadas, com
posterior eliminação do genoma da espécie doadora do pólen. Este
processo ocorre nas primeiras fases embrionárias, sendo esta
técnica chamada de Resgate de Embriões Imaturos. Metodologias
mais eficientes para a produção de plantas duplo-haplóides,
visando o melhoramento genético das plantas cultivadas, vêm
sendo constantemente investigadas. A cultura de micrósporos
isolados vem aos poucos substituindo as técnicas de cultura de
anteras e de resgate de embriões, oferecendo um maior número de
plantas regeneradas e espontaneamente duplicadas in vitro.
O uso cada vez mais aplicado das técnicas de cultura de tecidos
e células pode contribuir ainda mais na evolução dos programas
de melhoramento de plantas, acelerando, simplificando e tornando
mais eficiente o processo de obtenção de novas cultivares. |
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